A)
INTRODUÇÃO:
Antes de entrar propriamente nas questões doutrinárias da
Confissão de Fé Batista de 1689, farei uma pequena introdução desse evento
histórico, mas adianto que não encontrei muitas informações em minhas consultas,
porém, no que foi possível encontrar, creio que servirão para que os irmãos
tenham uma ideia daquilo que estaremos estudando, a partir de hoje, com mais
detalhes:
1) Houve uma 1a. Confissão de Fé Batista de Londres em
1644, que foi a predecessora da que iremos estudar. Essa confissão antecedeu
mesmo a famosa CFW – Confissão de Fé de Westminster, concluída em 1646 pelos
presbiterianos.
2) Ambas as Confissões de Fé Batistas de Londres são
reformadas e calvinistas, ou seja, defendem os princípios do livre exame da
Bíblia [devemos entender que há uma grande diferença entre livre exame e livre
interpretação. Durante séculos, a Igreja Católica proibiu a leitura da Escritura
por leigos, de forma que apenas o clero tinha acesso a ela. Até mesmo ter uma
Bíblia era pecado. Com a reforma protestante, através de Lutero, defendeu-se o
livre exame da Bíblia; qualquer pessoa poderia ter acesso direto ao texto
sagrado sem a dependência de um clérico fazê-lo em seu lugar (antes de Lutero,
que traduziu a Bíblia para o alemão, algo quase impossível em seu tempo,
tendo-se em vista a obrigatoriedade da Bíblia ser impressa e lida em latim;
houve quem chegou a traduzir a Bíblia para as suas línguas pátrias, como John
Wycliffe, um reformador inglês anterior à própria Reforma Protestante). Contudo,
isso não quer dizer que qualquer um pode interpretá-la ao seu bel-prazer,
distorcendo-a, desprezando a sua autointerpretação, pois a Escritura é
autointerpretativa, e os vários séculos em que homens santos debateram e
definiram pontos que estão presentes no texto mas que são difíceis de
compreender (2Pe 3.16). Então todos temos acesso hoje à Sagrada
Escritura, mas tendo-se o cuidado de não tirar ou colocar nela aquilo que ela
não diz, o que normalmente acontece na forma de erro doutrinário ou heresia]; a
defesa da salvação somente pela graça de Deus, e o batismo por imersão somente
aos fiéis adultos, dentre outros pontos.
3) As Confissões de Fé de Londres de 1644 e 1689 surgiram
pela necessidade de se distinguir os Batistas Particulares ou Especiais dos
Batistas Gerais. Aqueles creem na salvação como dom exclusivo de Deus, e que
através da sua escolha soberana derramará sobre o eleito a sua graça e
misericórdia. Por isso se crê que a expiação de Cristo na cruz não foi por todos
os homens, mas somente por aqueles que o Pai lhe deu; enquanto os Batistas
Gerais acreditavam na expiação vicária de Cristo por todos os homens, e de que
os homens colaboravam, de alguma forma, com a sua
salvação.
Este ponto, da expiação vicária de Cristo, será
apresentado mais à frente. Aqui interessa-nos apenas delinear os motivos pelos
quais urgiu-se a elaboração das duas confissões de fé.
ALGUMAS
QUESTÕES SOBRE AS CONFISSÕES DE FÉ:
1) Elas não são infalíveis e inerrantes, ainda que os
pontos abordados por elas tenham como fonte direta a Escritura Sagrada, mas
somente esta é a infalível, inerrante e inspirada palavra de
Deus.
2) Elas têm o objetivo de declarar publicamente aquilo
que os batistas creem, pregam e ensinam.
3) Elas foram redigidas pelos
puritanos.
4) Têm por objetivo orientar e definir princípios
claramente delineados nas Escrituras a fim de se evitar os erros e heresias que
o inimigo persistentemente insiste em implantar na Igreja, através de seus
servos, os quais Paulo chamou de lobos cruéis [At
20.29].
POR QUE
ESTUDAR ESTA CONFISSÃO DE FÉ E NÃO OUTRA?
A resposta é simples: esta é a melhor e a mais detalhada
confissão de fé batista já produzida, e dela derivaram todas as demais
confissões de fé batistas [Filadélfia e New Hampshire, p. ex] . Ela se torna
ainda mais importante por nos apresentar o estudo de questões caras,
fundamentais e imprescindíveis à vida de qualquer cristão: o conhecimento de
Deus e da sua vontade. Nela encontraremos capítulos que expõem a doutrina das
Escrituras, o Deus Tri-uno, a Criação, a Igreja, a Salvação, o Matrimônio... ou
seja, tudo o que Deus nos revelou através da sua palavra como sendo a sua
vontade, e que para nós é a regra de fé e vida.
Então, sem mais delongas, vamos direto ao nosso
estudo.
B)
CAPÍTULO 1: AS SAGRADAS ESCRITURAS
[O texto abaixo, em itálico, é a transcrição direta da
C.F.B. de 1689]
1. A Sagrada
Escritura é a única regra suficiente, certa e infalível de conhecimento para a
salvação, de fé e de obediência. A luz da natureza, e as obras da criação e da
providência, manifestam a bondade, a sabedoria e o poder de Deus, de tal modo
que os homens ficam inescusáveis; contudo não são suficientes para dar
conhecimento de Deus e de sua vontade que é necessário para a
salvação.
Por isso, em
diversos tempos e por diferentes modos, o Senhor foi servido revelar-se a si
mesmo e declarar sua vontade à sua igreja. E para a melhor preservação e
propagação da verdade, e o mais seguro estabelecimento e conforto da Igreja,
contra a corrupção da carne e a malícia de Satanás e do mundo, foi igualmente
servido fazer escrever por completo todo esse conhecimento de Deus e revelação
de sua vontade necessários à salvação; o que torna a Escritura indispensável,
tendo cessado aqueles antigos modos em que Deus revelava sua vontade a seu
povo.
[2Tm
3.15-17; Is 8.20; Lc 16.29-31; Ef 2.20; Rm 1.19-21, 2.14-15; Sl 19.1-3; Hb
1.1-2; Pv 22.19-21; Rm 15.4; 2Pe 1.19-20]
RESUMO:
1- O primeiro ponto apontado pela CFB é de que a Bíblia é
a nossa única, infalível e suficiente regra de fé e vida. Todos os crentes, de
uma forma geral, afirmam esta verdade. Porém o que vemos não é bem isso. Cada
vez mais os cristãos têm se distanciado da verdade para aderirem a conceitos
temporais e falíveis, como as ciências humanas. Há uma substituição progressiva
do ensino bíblico, o conhecimento do que Deus nos revelou, pelo conhecimento
elaborado pelo homem. Com isso, conceitos antropológicos, psicológicos e
sociológicos têm tomado o lugar da verdade e transformado princípios absolutos
em relativos e efêmeros. Para se ter a Bíblia como regra de fé e vida é
necessário a sua leitura, exame e estudo, e reconhecê-la como a fiel, santa e
perfeita palavra de Deus. Sem o seu conhecimento ninguém pode afirmar que ela
dirige e guia a sua vida, pois será impossível alguém guiar-se e dirigir-se sem
saber aonde ir e como ir. A Escritura é o “mapa” que nos levará seguramente ao
encontro da vontade perfeita de Deus.
2- A Bíblia foi escrita no decorrer de aproximadamente
1.500 a 2.000 anos, por 40 autores diferentes, mas não encontramos um livro
confuso, disforme e contraditório, como muitos querem fazer parecer. Ela tem uma
unidade perfeita, somente possível porque Deus é o seu autor. Pelo poder do
Espírito Santo, homens inspirados redigiram o santo conselho de Deus para a
humanidade, de forma que nela não há erros, falhas, discrepâncias,
incongruências, paradoxos ou conflitos que indiquem falibilidade e errância,
comprometendo a sua autoria sobrenatural.
3- A natureza nos revela que há um ser criador, mas não é
capaz de nos revelar o Deus pessoal, Senhor e salvador. Em certo aspecto, a
revelação natural ou geral pode nos indicar que o Criador é Todo-Poderoso; ou
seja, ela pode revelar a existência do Criador e de que esse Criador tem todo o
poder, pelo qual a Criação é sustentada.
4- O homem se tornou inescusável ou indesculpável diante
de Deus pois o Senhor deu a todos os homens o "senso divino", a ideia inata de
si mesmo, de revelar-se a todos os homens; e isso se deu porque todos os homens
são criados à imagem de Deus.
[Certa vez, em uma discussão com um ateu, eu disse que
todos os homens nasciam teístas, que todos criam em Deus, mas que com o passar
do tempo, a rebeldia se instalava de tal forma no coração do homem que ele
negava completamente a Deus, tornando-se um ateu. Portanto, o ateísmo é uma
degeneração, uma subversão e corrupção do "senso divino" que todo homem possuí,
de tal forma que ele tenta anulá-lo com a sua
descrença].
5- Porém, a revelação natural é insuficiente para que o
homem tenha o exato conhecimento de Deus e de sua vontade necessária para a
salvação. O que torna indispensável e fundamental a revelação especial, a
Palavra de Deus. Pois Deus somente será revelado proposicionalmente, como
realmente é, por intermédio de sua palavra. Com isso, temos que apenas as
pessoas que têm acesso à Sagrada Escritura podem realmente conhecer a Deus. Fora
dela, há "deuses", não o Deus verdadeiro e vivo.
6- Assim, tanto a sua natureza, como caráter, obra e
vontade são comunicadas exclusivamente aos homens pela revelação escriturística,
tanto no Antigo como no Novo Testamento.
7- Deus determinou que a revelação oral fosse registrada
aos homens de maneira escrita para que servisse de instrução, orientação
e edificação do seu povo; de maneira que o próprio Deus é o seu autor e aquele
que preserva a sua palavra da corrupção, da maldade e da destruição por Satanás
e seus servos. De maneira maravilhosa, Deus conservou e conservará a sua Palavra
inerrante e infalível para que o seu povo seja por ela guiado, e assim, todos
nós, possamos conhecê-lo e servi-lo segundo a sua sabedoria e vontade santas e
eternas.
8- A salvação somente é revelada ao homem através da
revelação especial, e por ela todos os eleitos serão salvos [Rm
10].
UM PONTO IMPORTANTE A SE ABORDAR:
a Bíblia é a verdade ou ela contém a verdade? O que pensam os irmãos sobre
isso?
Para explicar a primeira ideia, farei duas figuras no
quadro negro que, na verdade, é um quadro branco: Na primeira figura temos um
círculo de 20 cm de diâmetro; vamos chamá-lo de Bíblia. O segundo círculo tem
também o diâmetro de 20 cm; vamos chamá-lo de verdade. Para nós, cristãos
bíblicos, o círculo "Bíblia" e o circulo "Verdade" são sinônimos; tanto a Bíblia
é a verdade, como a verdade é a Bíblia. Podemos então colocar entre os círculos
o sinal de igualdade [=], de forma que a Bíblia é igual à verdade, e
vice-versa [Bíblia=Verdade, ou seja, utilizamos nomes diferentes para dizer a mesma
coisa].
Na segunda ideia temos o seguinte: farei um círculo de
10cm de diâmetro e nele colocarei o nome "Verdade", farei um círculo de 20cm de
diâmetro e colocarei nele o nome "Bíblia". O que se quer dizer com a Bíblia
contém a verdade é que uma parte dela, esse círculo menor, é que se pode
considerar como verdadeiro. Justapondo-se um círculo ao outro, teremos uma boa
parte da Bíblia como não verdadeira, ao ver de quem defende esse esquema
maligno. Assim, como resumo, teremos o seguinte: a Bíblia é verdadeira apenas em
alguns aspectos, como os necessários e suficientes para a salvação. Podemos
resumir o esquema: V ∈ B, a verdade é
elemento da Bíblia, está em B, pertence a B, mas B não é completamente V
[o símbolo E é utilizado nos estudos matemáticos de conjuntos.
Indica que determinado elemento pertence a um conjunto. Aqui a verdade é um
elemento e a Bíblia é o conjunto de elementos, onde a verdade é um deles e a
mentira o outro].
Vejam bem o perigo dessa afirmação. Quando se diz que a
palavra de Deus contém a verdade, duvidamos de que ela seja a verdade, portanto
como é possível dizer o que seja ou não verdadeiro na palavra? Se nem tudo o que
está descrito nela é verdadeiro, como pode-se saber o que é falso ou não? O fato
é que esse espírito que paira sorrateiro pelas igrejas é o espírito maligno que
está à caça dos incautos e tolos para os manterem na incredulidade e ignorância.
Não é possível que a Palavra de Deus seja verdade e mentira ao mesmo tempo. Ou
que seja meia-verdade, e contenha enganos. Não é possível que Deus tenha também
negligenciado a preservação da sua revelação. Quem assim crê labora para o erro
e a mentira.
E, nesse caso, o que temos é nada além de soberba,
arrogância e superioridade travestidos de intelectualidade. Quando o homem se
coloca na condição de apto a “julgar” a Escritura, faz-se superior a Deus.
Cristo disse que devemos julgar não pela aparência, mas pela reta justiça [Jo
7.24]. Acontece que apenas Deus é justo e reto, logo, o único capaz de um
julgamento infalível. Nós, pelo poder de Deus, podemos ter alguns julgamentos
retos e justos, mas, na maioria das vezes eles são como nós, imperfeitos e
injustos. Portanto, apenas Deus é aquele que pode julgar todas as coisas de
maneira santa e perfeita. Mas os homens se consideram capazes do mesmo; e, pior,
se consideram capazes de julgar algo que está muito acima da capacidade máxima
de julgamento humano: a palavra de Deus. E ao fazê-lo, julgam o próprio Deus,
como loucos que são; dando vazão somente aos seus intentos carnais, ao orgulho e
prepotência. Por isso investem-se de uma autoridade que não têm e rejeitam a
autoridade divina a qual deveriam se submeter, mas, em estado de rebeldia,
colocam-se no lugar que não lhes pertencem, tornando-se ídolos de si mesmos,
para a sua própria condenação.
Há ainda aqueles que afirmam que apenas Deus é a verdade
e que, por isso, a Bíblia não pode ser a verdade, pois não é Deus. Digo que a
primeira afirmação é verdadeira, Deus é a verdade. O Senhor Jesus nos disse: Eu
sou o caminho, a verdade e a vida [Jo 14.6]. Mas como se pode saber isso?
Se não se conheceu pessoalmente o Senhor Jesus? Quero dizer, se não o viu, nem o
tocou... Crer que Deus é a verdade somente é possível pela Escritura, a qual
afirma ser Deus verdadeiro. Agora, se creio que ela não é a completa verdade,
como crer que Deus é a verdade? Qual o critério de seleção para determinar o que
seja verdade ou não? Se a equação Bíblia = Verdade não se fizer, não é possível
se afirmar nada quanto a Deus e a verdade, pois apenas a Escritura é capaz de
revelar tanto Deus como a verdade, de forma que Deus é a verdade. Foi o pedido
de Cristo ao Pai, por suas ovelhas: "Santifica-os na tua verdade; a tua
palavra é a verdade" [Jo 17.17].
O cristão bíblico [e nós, batistas, cremos na Bíblia como
toda a verdade, como a fidedigna palavra de Deus, como todo o conselho divino
para o homem, desde a primeira letra em Gênesis até a última letra em
Apocalipse], jamais podemos nos enganar com as declarações aparentemente
intelectuais, aparentemente sábias, mas que escondem apenas o engano e a fraude,
e um caminho de trevas. Se é possível não crer em toda a sua inteireza, pureza e
unidade [que revelam o pensamento santo e perfeito da mente santa e perfeita de
Deus], não há como crer em algo e descrer em outra coisa, sem que se seja
possível desconfiar de toda a estrutura da Escritura. Como será possível avaliar
se o que o Senhor Jesus disse é verdadeiro ou falso? Por critérios humanos?
Falíveis, imperfeitos e muitas vezes perversos?
Deus somente pode ser conhecido por sua palavra revelada,
escrita e entregue à Igreja em todos os tempos através da Escritura Sagrada. E a
Bíblia é verdadeira porque procede da mente do Deus verdadeiro.
Origem: http://kalamo.blogspot.com/2011/10/estudo-sobre-confissao-de-fe-batista-de.html